Decorria o ano 2000, mais coisa menos coisa. Os Radiohead preparavam-se para lançar o 4º álbum, depois do mítico Ok Computer. Como é óbvio, eu andava doido para vê-los ao vivo. Na altura estava mais ou menos rico, tendo em conta que antes andava mais ou menos na penúria. Um feliz bug numa feliz máquina de cavalos num feliz casino (valerá um post dos grandes), permitiu-me acumular uma feliz quantia de notas das grandes e adornar a minha feliz felicidade. Assim que apresentei contas ao meu pai, podia ler-se na sua face, muito claramente: "droga... este sacana anda a passar droga...". Explicada a origem da súbita (e breve) riqueza, metemos mão à obra. Não é tarde nem é cedo: vamos a Londres ver os meninos. Compôs-se um belo programa para um sábado à tarde na capital inglesa: Fulham-Colchester em Craven Cottage (3-0 para o Fulham de Tigana e Boa Morte, com 2 golos de Saha) e Radiohead em Victoria Gardens. Não foi brilhante. Do set fizeram parte demasiados temas de Kid A, um álbum adorado por 8 pessoas, mas que 3 milhões insisitem tratar-se de uma obra de arte. Obrigado, mas passo à frente.
Os meninos lançaram agora outro Kid A, ligeiramente mais acessível. Não se preocupem, meninos, vocês continuam a ser uns génios. Tenho a certeza que o próximo album vai ser uma enormidade musical.
Tens uma relação dura, que dura há muito. Começas a pensar que podes levar uma chapada, mas a parte boa do teu cérebro diz que não, que é impossível. Tens a confirmação que não levaste uma chapada, embora a parte má do teu cérebro vai teimando que sim, que levaste nas trombas. Mesmo quando sabes que levaste, negas a evidência. Mas levaste mesmo, e no lado que menos esperavas. Mesmo assim, a chapada faz-te ir à luta. Em vão, saberás mais tarde, mas foste. Depois levas outra. E mais outra e mais outra. Começa a doer mais intensamente, já te desvias, e sentes que tens que sair do ring, rapidamente. Vais saindo. Achas que mereces mais para ti. Aprendes a tocar um instrumento musical. Voltas a marcar grandes golos às segundas feiras à noite. Dás mais valor a pequenas coisas. Pensas deixar de lado a inocência acumulada. Agarras-te aos teus filhos. Confirmas que os poucos amigos são poucos, mas muito. Pagas por erros passados, justamente. Sabes que tens os melhores pais do mundo. Dás um passo atrás e dois à frente. Esperas por sinais que não aparecem. Choras e ris, chorar e ris, choras e ris, até que páras. E depois segues, segues, segues, segues. As chapadas doem cada vez menos, mas tens que as levar. Até que já não estás lá e elas deixam de te acertar. E sabes que apesar de muito pessoal, este post tem mesmo que sair derivado ao facto e vai sair tal qual como pensavas que iria sair se algum dia visse a luz do dia num dia de sol.
que tinha uma empresa de agenciamento de arrumadores.
Depois de uma reunião com o presidente da câmara, consegui ficar com os direitos de exploração de todos os parques de estacionamento da cidade. Um monopólio à maneira. Comecei a recrutar. Fui para as ruas procurar rapaziada mal vestida, a dever longas semanas ao duche, com disturbios sociais, barba por fazer, dificuldades na articulação de frases, mau aspecto geral e, acima de tudo, com vícios para sustentar. Foi a parte fácil. Salário mínimo e recibos verdes para alguns. Outros à comissão - 15% no máximo. Depois tive que os preparar para a função. Duas semanas de formação com tudo pago: café, bolo de arroz, cigarros, sopa da avó, ganzas e senhas de transporte. Aprederam rápido, mesmo a gaja que passava o dia ranhosa e a quexar-se de uma ferida no lombo. Linguagem gestual, sistemas de intimidação, introdução à educação... correu tudo lindamente. Os módulos "como manter um mau aspecto constante e mesmo assim captar clientes" e "formas de retaliação para clientes pouco colaborantes" tornaram-se desnecessários (nota mental para eliminar em próximas acções).
O arranque da empresa (não me lembro do nome) foi fantástico. Durante 3 dias ninguém se lembrou que estava a ser explorado (estavam e muito). Foi dinheiro muito fácil. Até que um dos empregados decidiu fazer uma cura, tornou-se lúcido em três tempos, fez contas e antes de se despedir organizou um motim. Invadiram as instalações da empresa, partiram aquilo tudo (sorte que o iMac ainda não tinha chegado) e o pior de todos deu um par de lambadas na secretária, que nunca mais vi no sonho. Depois foram à minha procura, já todos com a barba feita e de fato Armani e a gaja com uma brutal mini saia e com muito bom aspecto, o raio da moça. Encontraram-me no quiosque, claro. Fugi pelas traseiras e convicto que corria muito mais que eles. Mas aconteceu uma daquelas merdas que só acontecem em sonhos. Eu queria correr mas não saia do sítio, tipo os desenhos animados quando vão cair no precipício e ficam 10 segundos a correr em seco antes de despenharem lá em baixo (na água, claro, eles nunca se esborracham em cima de um calhau). Depois o gato acordou-me.
A senhora não me gramava. Eu não gramava a senhora. Corrijo: eu não gramava a senhora, logo ela também não me gramava. Ela vinha, folheava a revista, olhava o preço, torcia-lhe o nariz, e quando o preço não a deixava torcer o nariz, torcia o nariz à própria revista: "Hmmmm... desta vez não levo, senhor...", como se alguma vez tivesse levado.
Reformulo. Eu até a gramava. Depois cansei-me de a gramar, porque ela torcia demasiado o nariz a revistas que não mereciam que lhe torcessem o nariz. Ela topou que eu já não a gramava, claro, quando comecei a torcer o nariz sempre que ouvia a conjugação de palavras "revista" + "deixe-me" + "ver". E a nossa relação comercial, nula, passou a pautar-se por trocas de torcidelas de nariz (sou sublime a torcer o nariz, diga-se).
Até ao dia em que a senhora precisou de mim. Chovia torrencialmente, ela folheava uma Maria ou Mariana ou uma Sandra Moda Croché. Sem ter para onde fugir e com o nariz mais torcido que o joelho do Mantorras, foi obrigada a ceder. "Senhor, não tem um guarda-chuva que me empreste?...", e engoliu em seco, comprometida pelos milhões de páginas passadas.
"Claro que tenho! Tem preferência pela cor?" (parêntesis aberto para justificar: faço colecção de guarda-chuvas esquecidos, de todas as cores e feitios).
Riu-se, sem torcer o nariz. Levou um azul e mandou Deus ajudar-me.
No dia seguinte devolveu o azul, não folheou a revista, não torceu o nariz e soltou finalmente as palavras "Dê-me a Mariana, senhor Pedro".
Hoje voltou tudo ao mesmo de sempre. Pelo menos até voltar a chover torrencialmente.
É relativamente previsível atender três clientes malucos consecutivamente. Estatisticamente falando, mais que previsível, é tão certo como o meu gato se chamar Messi da Silva. Pior. Mais certo ainda que serei eu a antendê-los, o que significa que os malucos saem à rua logo pela manhã. Sociólogos, apanhem esta.
(Peço atenção, que quando digo malucos, não me refiro a humanos com nítidas incapacidades para processar pensamentos sensatos e agir de acordo com. Também os há. Só não aparecem é com muita frequência. Para mim malucos são humanos com desvios significativos ao nível global, estejam eles em qualquer zona do seu lindo corpo. Mas a origem parte sempre da zona cinzenta do cérebro, admito, e agora vamos em frente, que o parêntesis vai longo... Por exemplo, é usual senhoras de bigode - eu sei que está na moda - comprarem a Maria e a Telenovelas, isso para mim é ser maluco. Outro caso de maluquice pura é sair à rua de robe e chinelos e fazer 200 metros para vir buscar tabaco para o marido que está na pesca; eu sei que são 200 metros porque sei onde vive a senhora de robe e chinelos e estou até curioso para um dia a ver de calças de ganga e bota até ao joelho. Eu podia ficar aqui o dia todo a falar de malucos, como aquele que fica especado a olha para mim durante 10 minutos, balouçando ligeiramente e de forma ritmada ambos os pés, sem nunca abrir a boca até que à 3ª tentativa de lhe sacar 3 euros e tal por um maço de tabaco, ele abre a boca e pede um maço de tabaco. E agora que já batemos o record do mundo do parêntesis, maluco maluca é a lady que compra pornografia para o marido, que ele anda insuportável desde que deixou de fumar)
Dizia eu que qualquer coisa como receber malucos é uma honra e um tiro certeiro na rotina. O que me faz mal, e vai contra todos os dados estatísticos que um dia hei-de levantar, é apanhar em simultâneo com: o velhinho que insiste em dar trocado e conta e reconta tudo, até chegar o segundo velhinho que me está a contar em capítulos (vamos no 13º) a história da vida mas que se perde na conversa e salta para a história da vida do primo e do tio-avô, tudo isto até que chega o 3º velhote e me faz um filme do caraças durante um tempo interminável, a pedir para trocar o Contactos Íntimos pela Semana Erótica, que ele anda nervoso porque deixou de fumar e a velha dele fez confusão nos títulos quando me pediu pornografia para o marido, que é ele próprio. Juntar isto tudo no mesmo intervalo de tempo é estatisticamente quase impossível. Portanto, o meu problema é velhinhos. Isto passa.
(…) Quando faltavam vinte minutos para o fim da partida, o Exeter tinha tomado a dianteira, e a minha namorada (que tinha querido experimentar em primeira mão com a amiga e o namorado da amiga a glória estonteante da subida de divisão) fez prontamente aquilo que eu sempre tinha presumido que as mulheres conseguiam fazer em momentos de crise: desmaiou. A amiga dela levou-a até às Ambulâncias de St.John’s; entretanto, eu não fiz mais nada senão rezar por um empate, que chegou, seguido de uma vitória alguns minutos mais tarde. Só depois de os jogadores terem despejado a última garrafa de champagne sobre a multidão é que comecei a sentir-me mal em relação à minha indeferença.
Comecemos pelo fim: sou desde há uns dias para cá o fiel proprietário de um gato.
Nunca gostei muito de gatos. Detesto particularmente os gatos vadios, não que eles tenham qualquer culpa de serem vadios, mas porque quando me aproximo deles e vice-versa, fica no ar entre eu e o gato que eu não gramo o bicho e vice-versa. É uma espécie de pacto silêncioso e de não agressão: eu não lhe dou um chuto e ele não se atira para cima de mim. Cada um segue o seu caminho. Eu mudo de passeio e ele vai vadiar.
Há dias algum espertinho achou que no meu prédio havia gente com cara de quem tem por hábito adoptar gatos. Acertou em cheio. Não gosto dos bichos, mas tenho cara de quem se derrete por eles.
Os meninos trataram do resto. Um em cada perna, aquelas carinhas a pedir compaixão, e as palavras mágicas "por favor, por favor, por favor, por favor, por favor, por favor, por favor! Pai, por favoooooooooooooooooor!". Não havia por onde escapar. Tenho testemunhas.
Chama-se Messi (Mechi para o mais novo), livrou-se de se chamar Bobby (a minha primeira escolha), será provavelmente o melhor gato do mundo, tem duas patas esquerdas fantásticas, e é chato que nem um gato.
O jogador do Barcelona que adoptou o nome do gato respondeu com 3 golos no fim-de-semana em que reencontrei um amigo de infância, hoje proprietário de uma clínica veterinária. Falámos de hamsters com fome, cabras com cárie, cuidados com gatos, e do dia em que ele me converteu ao Benfica. Deus lembrou-se de mim.
O gato é fofo. Pronto, já disse.
Uma segunda-feira de Julho. Ela inicia a primeira semana de férias. Ele não, ainda vai trabalhar até 4ª, possivelmente 6ª também tem que ir. É certo que vai levar trabalho para férias. Não há filhos, talvez mais tarde, quem sabe. Assistem ambos ao prós e contras. O tema é absolutamente desinteressante para ela. Ele presta atenção aos primeiros 15 minutos, gosta de ouvir o Moita Flores. Depois pega no folheto semanal do Liedl.
Está cada um no seu sofá de 2 lugares comprados nos saldos da Moviflor num domingo chuvoso de Novembro. Ela disse "este nem é feio". Ele acenou com a cabeça, pouco convicto mas resignado, e ainda trouxeram um tapete beje para o quarto, que acabou oferecido à sogra de um deles pelo natal. São onze e cinco da noite, lá fora está uma noite agradável. Um deles, talvez ele, levanta o rabo do sofá nº1 da Moviflor, apenas o rabo, e solta um pum bem audível. Sim, foi ele. Ela só o faz quando está sozinha ou com a mãe. O Moita Flores continua a falar. Ele recolhe o rabo e vira mais uma página do catálogo. Os porta-cds de 24 unidades de capacidade vão estar a 99 cêntimos até final da semana. Pensa "não tenho tantos cds, é pena..." e vira mais uma página. Por breves instantes, ela pensa no pum dele. Não ri, não pestaneja, nem mostra desagrado. Esquece rapidamente e continua a assistir ao prós e contras, sem ouvir. O comando está entre as pernas dele. Ela hesita entre começar o segundo capítulo da sebenta de "Marketing directo" do mestrado e pedir-lhe que atire o comando. Esperguiça-se mais uma vez, coça uma virilha com veemência, tira os óculos, inicia um lento movimento, primeiro com o tronco, depois com a cabeça. Desiste e regressa à posição inicial. Ele adormece no sofá, num intervalo, ao som de uma música de um anúncio da vodafone, que "até é gira esta música", atira ele para o ar mesmo antes de adormecer, quebrando um longo silêncio desde o pum. Uma mosca pousada no candeeiro (oferta da sogra de um deles, o candeeiro, atenção, que a mosca chegou mais tarde) levanta vôo pela primeira vez desde o início do programa. "É", diz ela. Vencida pelo tédio e conquistada a última vaga de perguiça, desgruda do sofá e dá-lhe um tímido toque na mão enquanto anuncia "vou para a cama". Ele faz "hum" e muda de posição, fazendo cair na carpete as promoções do Liedl.
O casamento, ou namoro, ou o que quer que fosse, termina dois meses mais tarde. Ela faz questão de ficar com os sofás.
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