Um casal de velhinhos. Ela com aquele olhar pesado e ausente, como quem carrega uma vida inteira de sacrifícios. Ele visivelmente debilitado, braço amparado no da sua senhora, sempre um passo atrasado. Todos os domingos lá vinham eles, depois da missa, buscar o jornal. Traziam-se um ao outro e com eles o mesmo saco de plástico de sempre, com as letras desgastadas pelo uso excessivo.
Cada domingo a mais, mais se sentia o velhinho longe da vida. Até que o casal de velhinhos, num certo domingo, não veio buscar o jornal. Nem no próximo, nem no outro a seguir.
Voltou um dia a velhinha. Só. O mesmo olhar pesado, mais pesado ainda. O mesmo olhar ausente, mais ausente ainda. No seu rosto estava escrito que trazia agora consigo a perda do seu velhinho. Com a voz embargada, pediu o jornal de sempre, que levou no saco de sempre.
O ritual repete-se há muitos, muitos domingos. Este último teria sido apenas mais um. Mas aquela voz embargada, rodeada agora por uma expressão menos dolorosa e bem mais viva, trazia consigo uma confissão envergonhada: "Sabe... o jornal não é para mim... é para o meu falecido marido". E eu percebi naquele instante que a velhinha já não estava sozinha.
Quioscamente falando, foi um Agosto maravilhoso (muitas pessoas, muita chuva, pouca praia, muito jornal dentro de casa) e um Outubro maravilhosamente engraçado (algumas pessoas, algum sol, alguma praia, algum jornal em casa e outro tanto na praia). Agora vem aí a inevitável ressaca, um Novembro estrondosamente merdoso (poucas pessoas, muita chuva, muito vento, muita crise, pouco jornal, etc. e tal). Hoje já se sente. Um domingo dolorosamente ventoso com chuva intensa para o período da tarde e coiso e tal. O anti-ciclone dos Açores armado em parvo, portanto.
Domingos assim são bons dias para reflectir sobre as vicissitudes da vida (25 minutos à procura desta palavra, só me lembrava de vasectomia, que também não seria mal aplicado à questão de facto). Esta reflexão esbarra estratosfericamente no limitado espaço que me foi atribuido dentro do quiosque. De entre prateleiras, bancas e máquinas, sobram-me pouco mais que 3 metros quadrados de reflexão sobre vicissitudes, manifestamente escassos para quem como eu reflecte em movimento, ora para a frente, ora para trás, às vezes para o lado.
Em termos práticos, faço percursos entre a banca dos jornais (início de reflexão sobre as vicissitudes do medo da morte) e a prateleira do porno (final da reflexão sobre as vicissitudes do medo da morte e início da relfexão sobre a minha própria existência como pessoa de bem) e vice-versa. Cada mudança de direcção implica uma mudança de reflexão (é um defeito, eu sei, mas que não consigo controlar e sobre o qual tenho reflectido bastante). Ora, existem duas problemáticas nestas reflexões. Primeira, os percursos costumam ser acidentados. É muito complicado não tropeçar nas coisas entre um ponto e outro, o que acaba por interferir nas próprias reflexões. Segunda, as reflexões são tão curtas que depois de 10 percursos estou a reflectir sobre como foi possível falhar aquele golo que me dava o título no último torneio PES2012.
Há poucas coisas piores na vida que ouvir um homem a comentar o casamento da duquesa de alba.
Será razoável sentir um homem admirar o cabelo da duquesa de alba, tentar compreender as plásticas da duquesa de alba, concordar com a repulsa que um homem sente ao contemplar a duquesa de alba em todo o seu esplendor (sempre inversamente proporcional ao apetite voraz que a sua fortuna nos provoca), mas caramba, homem... tecer considerações sobre a beleza da boda ou do futuro auspicioso do jovem casal, isso não é de homem, homem! Isso é de quem visita diariamente a página da Hola e veste lingerie vermelha por baixo do fato Armani. Juizinho, pá!
(figas para que o homem em questão não chegue a este blog)
Não me importo que as pessoas me peçam emprestada uma revista para levar para o jardim, para ler enquanto esperam pelo marido. A sério. Não me importo nada, até quebra a monotonia. Também não me faz confusão nenhuma que as pessoas, perante respostas como "lamento, minha senhora, mas o regulamento deste quiosque não permite empréstimos de revistas", me proponham que façam a leitura junto à banca, enquanto o marido não chega. Não me faz confusão nenhuma. Juro que não faz.
Mas a minha máquina de calcular começa a ficar com cócegas quando as pessoas ignoram respostas como "desde que não seja uma leitura exaustiva...". A experiência diz-me que os maridos destas pessoas têm uma tendência fora do comum para se atrasarem para os seus compromissos assumidos com a sua amada esposa. Às vezes dou por mim a pensar que os quiosques deviam ser como os bancos, colocando custos a qualquer movimento do cliente. Quer que lhe mostre as capas dos desportivos para poder escolher? Isso tem custos... Quer que lhe troque essa nota de 50 euros para poder colocar 20 cêntimos no parquímetro? Isso tem custos... Quer que lhe guarde o dvd "Tavares, o arquitecto quebra-bilhas" enquanto não recebe o RSI? Isso tem custos... Quer levar a TV Guia para o jardim, para ler enquanto espera pelo seu falecido marido? Isso tem custos... 1,25€, preço de capa.
Seleccionam-se 10 gordos com noções de culinária e segredos macabros. Enfiam-nos dentro de uma casa. Durante a semana os gordos só podem cozinhar e comer. Também podem ir à piscina, mas só dois de cada vez. Ao domingo à noite colocam-se os gordos numa montra e o público tem que tentar adivinhar o peso total da montra. Quem errar por maior margem leva um gordo para casa e aplica-lhe uma dieta vegetariana durante uma semana, finda a qual é devolvido à casa. Três meses disto. No final, ganha o gordo com o colesterol mais alto.
Fica a ideia.
- Bom dia!
- Bom dia ou boa tarde?... Já passa do meio-dia. Tem horas?
- Meio-dia e dez.
- Então é boa tarde :) Mas de facto ainda não almocei, se calhar é mesmo bom dia. Já almoçou?
- Ainda não.
- Então para si é bom dia. E para mim também, ainda não almocei eheh. Mas se já passa do meio-dia já é de tarde. Mas aceito que diga "bom dia", se ainda não almoçou :) Disse "bom dia" porque ainda não almoçou ou porque pensava que ainda não era meio-dia?
- Disse "bom dia" para o cumprimentar. Embora tenha a certeza que ainda não almocei, não foi por isso que disse "bom dia". Disse "bom dia" porque "bom dia" é mais universal. Só digo "boa tarde" quando há mesmo certezas que estamos de tarde, e quando toda a gente do mundo já almoçou, excepto os que ainda não acordaram. Ou até mesmo quando quem me cumprimenta primeiro, o faz com "boa tarde". Nesse caso retribuo o "boa tarde", mesmo que ainda não seja meio-dia ou mesmo que ainda não tenha almoçado ou até mesmo quando não haja indícios que a pessoa em questão tenha almoçado.
- Mas...
- E às vezes vou disparado para dizer "bom dia" e a pessoa atira-me com "boa tarde" e sai-me qualquer coisa como "bo diarde". Quer dizer, a mim soa-me claramente a "bo diarde", mas para o cliente soa como se eu estivesse a tentar dizer qualquer coisa com três pasteis de nata na boca. Às vezes pode ser embaraçoso. Mas regra geral digo "bom dia". Então vai ser o quê? O "Recordzinho"?
- Não, vou antes levar o...
- Eu só digo "recordzinho" a quem me costuma pedir o "recordzinho". Eu gosto de ir ao encontro das pessoas. Normalmente digo "record", mas se o cliente tem por hábito pedir o "recordzinho", gosto de me antecipar e perguntar "É o recordzinho?". Os clientes gostam. Ou pelo menos não reclamam :) Por acaso não me recordo agora se o senhor costuma levar o record ou o recordzinho, mas não leve a mal eu ter optado por "recordzinho". Isto às vezes falha eheh.
- Pois. É o correio da manhã, se faz favor.
- Aqui tem. Engraçado, eu costumo dizer "por favor" em vez de "se faz favor". Mas claro que...
- Adeus, boa tarde.
My toes can talk
And they’re smiling at me
“Come down”, they say
Not afraid anymore
And they talk to me
And they smile at me
I walked upstream
And I sat in the mud
Life sucks again
Watching trees decompose
And they talk to me
And they smile at me
Passei os últimos 20 anos entretido a tentar decifrar o significado desta letra. Decomposing trees, Galaxie 500, primeira música do lado B do álbum On Fire de 1989, comprado em vinil no Golden em Coimbra, porque o nome da banda era cool e indie qb e a capa idem. Custou três contos e duzentos, valor que me deixava a pão e bolachas o resto da semana (comprava música sempre à 2ª feira ou ao domingo à noite quando o comboio não se atrasava).
Portanto, e espero não me estar a repetir, foram 20 anos a tentar perceber o significado daquilo, sem sucesso. Comecei a desconfiar das minhas capacidades de interpretação. Provavelmente, andar a pão e bolachas não ajudava o cérebro a trabalhar. Arranjei um emprego e conseguia agora encontrar um equilíbrio entre a compra de música e uma alimentação mais cuidada. Mas nada me levava a entender coisas como "My toes can talk" ou "watching trees decompose". Não desisti e decidi ser paciente, aguardando pela chegada da world wide web. Nada.
Até ontem. Encontrei isto:
Trip de LSD. O gajo escreveu aquilo depois de uma trip de LSD.
Talvez lhe bata no dia 19 de Novembro, na Casa da Música.
De entre todas as medidas que o senhor Pedro acabou de apresentar, há uma que me causa espécie. Mais propriamente, há uma que causa espécie ao senhor Quiosque. Se os desempregados não têm dinheiro, se os velhinhos não têm saúde, se os funcionários públicos perderam 20% dos seus rendimentos, se os trabalhadores ficam mais meia hora nos seus postos de trabalho, de que me vale ponderar se irei abrir o quiosque meia hora mais cedo ou fechar meia hora mais tarde?
Estimula a economia, estúpido!!!
Como é do conhecimento geral das pessoas de bem, há 3 tipos de não-clientes que usam o quiosque como pista de aterragem: os vendedores, os promotores e os falsificadores. Dos falsificadores já falei algumas vezes. São aqueles que falsificam uma história para usurpar o enorme poderio financeiro do quiosque. Dos vendedores hei-de falar. Sobram os chatos dos promotores, que têm também um pouquinho de vendedor e de falsificador.
Dentro dos promotores há uma espécie particularmente maçadora: o promotorius tabacus (corrijam-me se esiver errado, o meu latim está enferrujado). Tanto bicho por essas florestas fora em risco de desaparecer para todo o sempre, e o pormotorius tabacus parece que se multiplica mais depressa que um casal de ratinhos no pico do seu ciclo reprodutivo.
No fundo, o objectivo do pormotorius tabacus é encher o ponto de venda com as marcas de tabaco que representa, ou, objectivo supremo, o santo graal do pormotorius tabacus: converter um quiosque num stand exclusivo das marcas de tabaco que representa. Não é fácil, e não há relatos que algum pormotorius tabacus o tenha alcançado, mas convém estar atento, e nunca é demais referir a importância de equipar o quiosque com um kit de dardos para afastar o pormotorius tabacus.
O pormotorius tabacus usa técnicas avançadíssimas de ataque. A mais recente denomina-se "cliente-mistério" e funciona da seguinte forma. Um clientus erectus tenta por todos os meios adquirir a sua marca de tabaco preferida e a função do quioscus proprietarius é informar o clientus erectus e mostrar-lhe que existem outras marcas, nomeadamente as marcas de tabaco do pormotorius tabacus em questão. Há-de chegar o dia em que um primo afastado do pormotorius tabacus (o pormotorius tabacus clientus misterius) vai ao quiosque fazer de clientus erectus. E se lhe for apresentada como alternativa a gama de tabaco que o seu primo pormotorius tabacus indicou, o quioscus proprietarius ganha, e passo a citar pormotorius tabacus, "um faaaaaaaaaaaaaantástico pack de 8 embalagens de tabaco de enrolar!!! Ãh?? Que me diz, caro quioscus proprietarius? Olhe que os seus colegas quioscus proprietarius dizem que esta campanha é maaaaaaaaravilhosa e a ideia é faaaaaaaaaantástica!!! Ãh?? Que me diz??".
Digo-lhe que é tudo maravilhoso e fantástico, e que o sol brilha e as andorinhas chilreiam por esses lindos campos verdes como se fossem coreografias de mitocôndrias, mas que receio bem que o clientus erectus se transforme num clientus bazastius que não voltou a pôr cá os péius porque se ofendeus depois de lhe apresentarius a gamius de pormotorius tabacus além de que os seus irmãosius pormotorius tabacus não vão achar muita piadus à sua brincadeirius.
(latim mesmo enferrujado... tenho que ir ver isto...)
A capa do suplemento Actual do Expresso da semana passada chamou a minha atenção: "Bjork - O oitavo album da islandesa é uma obra prima".
Corri para a página 8, directamente para a crítica ao album. Uma vez lá chegado, saltei para a parte final do texto (por regra, a introdução numa crítica é puro engonhanço). Li o seguinte pelo menos três vezes:
" (...) Se isso tudo soa a uma bizarra intersecção entre liturgias siderais, coreografias de mitocôndrias no interior de uma cristaleira, a melhor criação de sempre da National Geographic e, no fundo, algo de tipicamente bjorkiano, serão, certamente, imprescindíveis diversas escutas para que aquilo que é, sem dúvida, admirável possa vir a dar o salto quântico que lhe permita ser amado."
Vamos lá ver. Há anos que tinha desistido de ler qualquer crítica a música, filmes ou livros. Por duas razões. Primeira, os meus gostos mostraram ser consideravelmente incompatíveis com grande parte da crítica. Segunda, a linguagem utilizada vai muito para além da minha limitada compreensão.
Está visto que as coisas não mudaram muito. Quanto muito, nota-se uma ligeira melhoria na qualidade do LSD na redacção do Expresso.
Agora, se me permitem, vou ali fazer uma intersecção entre liturgias siderais, enquanto penso num negócio que envolva coreografias de mitocôndrias no interior de cristaleiras.
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